Nuno Baltazar: “Sei que um dia vou deixar de ser o melhor para a minha marca”

Fotografia: Carolina Campos

Com 39 anos de idade e a contar já com 15 de carreira, Nuno Baltazar fala sobre o futuro, os seus outros interesses para além da moda, porque que é que não considera o Porto como casa e no desafio que é ter sucesso na moda em Portugal.

Desde o ano de 2004 que o número 856 da Avenida da Boavista no Porto é ocupado pelo atelier da marca Nuno Baltazar e é precisamente no seu “quartel-general” que nos encontramos.
A entrevista decorreu no segundo piso, dos três que compõem o atelier de Nuno Baltazar, num espaço onde as figuras em destaque são as peças do desfile que o designer apresentou no passado dia 25 de outubro na 37º edição do Portugal Fashion.
Com uma simpatia contagiante e sem demoras ou formalismos, Nuno Baltazar falou sobre moda, até onde gostaria de chegar e mostrou um pouco do Nuno que está para além daquele que toda a gente conhece.

Como é surgiu o gosto pela moda?
Surgiu de uma forma muito pouco comum. Sou lisboeta e apesar de morar no Porto há muitos anos passava sempre férias em casa da minha avó em Lisboa. Um dia em casa dela, encontrei um baú cheio de revistas femininas dos anos 50. Naquela altura os editoriais eram desenhos, como achei imensa graça decidi começar a desenhar igual naqueles desenhos que se faziam na escola. Até que um professor meu viu, achou piada e pediu-me para fazer mais. Ao fim de três anos ele disse-me que aquilo podia ser uma profissão coisa que eu nem fazia ideia. E de repente já não me imaginava a fazer outra coisa.

Sente que houve alguma resistência por parte dos seus pais quando decidiu seguir design de moda?
Sim, sim. Não sei se a palavra certa é resistência…quer dizer até é, claro que é a palavra certa! (risos) Antes de frequentar o CITEX, estive noutra escola, o CITEN. Depois de acabar percebi que não tinha aprendido o suficiente e resolvi no fundo começar de novo noutro lado que foi o CITEX. Nessa altura o meu pai dizia-me sempre “estuda qualquer coisa menos arquitetura”, depois eu disse-lhe que ia fazer moda e ele perguntou-me porque é que não ia antes para arquitetura. (risos) A resistência por parte da minha mãe não era tanto por se tratar de moda era mais porque o sonho dela era que eu me torna-se químico – porque é a profissão dela. No entanto eu tive muita sorte no meu percurso académico ao ter ganho muitos prémios em concursos e isso serviu também para eles verem o meu empenho nesta área onde chegava a trabalhar sábados e domingos. Ao verem o meu empenho, a resistência facilmente se tornou apoio.


Já a completar 15 anos de carreira, onde é que encontra inspiração para criar?
Essa pergunta é muito engraçada porque normalmente surge por parte de estudantes de design que querem que lhes dê conselhos sobre onde encontrar a inspiração. Eu vou buscar inspiração dentro de mim, ao meu universo interior porque seja para fazer moda ou outra atividade qualquer ligada à criatividade, é fundamental que o artista construa esse universo interior. Esta construção faz-se com muita coisa: livros que se lê, filmes que se vê, com concertos, com canções, com viagens. E absorver ao máximo aquilo que nos rodeia, desde a coisa mais simples, mais visual, à coisa mais etérea e emocional. Se esta construção interior for rica a inspiração não falta nunca. A última coleção de outono/inverno que apresentei foi inspirada num filme que vi há dez anos atrás. Passados cinco anos pensei em usar essa ideia mas não me pareceu o momento certo por isso guardei e usei agora. Portanto só tendo sempre este universo interior cheio de ideias é que consigo criar coisas novas.


Fotografia: Rubina Rodrigues


Revelou uma vez que é filho de pais separados e por isso não teve uma infância muito feliz. Sente que isso o influenciou?
Esse é outro aspeto que faz parte do meu universo criativo também, e sim influencia porque é algo que faz parte de mim. Houve uma altura que era considerado o dramático da moda portuguese porque normalmente trabalho temas muito emocionais onde a figura feminina está sempre presente. Engraçado que nunca disse isto numa entrevista, porque nunca me fizeram esta pergunta tão diretamente, mas o facto de eu ter tanto essa atração e admiração pela figura maternal ou feminina é porque eu não fui criado pela minha mãe mas sim pelo meu pai. Apesar de me dar muito bem com a minha mãe, essa ausência dela fez com que eu projetasse sempre aquela imagem maternal. O facto de também não ter tido uma infância nada feliz, fez com que eu fosse buscar coisas um bocado mais densas, mais tristes como forma de me expressar. Gosto de fado, poesia e música sacra , ou seja, coisas que me façam sentir emoções fortes. Aqui é preciso ter uma bagagem emocional forte para compreender essas emoções. No entanto não sou uma pessoa nada deprimida, consigo é pegar nisso tudo que faz parte de mim, aceitar e transformar isso no meu trabalho. Provavelmente se não tivesse uma profissão ligada à criatividade e que me permitisse expressar , podia não ser tão equilibrado e ser capaz de pôr cá para fora essas emoções.

Ainda se lembra do seu primeiro desfile?
Sim lembro. A minha melhor amiga ainda tem o meu primeiro vestido que é horrível! (risos) Era um vestido comprido mas ela acabou por cortá-lo para mais curto.

Em que circunstâncias ocorreu esse primeiro desfile?
Ainda não estava sequer no CITEX, foi na escola anterior que eu frequentava. E foi uma coisa muito pirosa como todos os miúdos fazem no início. Já não me lembro muito bem, mas aconteceu numa discoteca em Viana do Castelo. No entanto, recordo-me perfeitamente da roupa. Ainda era muito exagerado nessa altura, tinha casacos muito compridos e muito “vampirescos”.


Ser designer de moda em Portugal não é considerado fácil. Sente-se um resistente por estar a conseguir ter sucesso numa área onde é tão difícil de o conseguir?
Sinto. E sinto isso sobre mim e sobre os meus colegas. Tenho isso muito presente na minha cabeça porque de facto as pessoas não fazem a mínima noção do nível de resiliência que é preciso ter, do espírito de sobrevivência e da enorme paixão por isto. Porque se não for assim não se consegue.

Agora já a contar com 15 anos de carreira, até onde gostava de chegar?
Até onde é que eu gosta de chegar e até onde é que a minha marca pode chegar são duas coisas diferentes. Eu gostava que a marca sobrevivesse à minha eventual saída, à minha morte até que é uma coisa inevitável. Quanto a mim, vejo-me no futuro de havaianas e num sítio quente! (risos) Quero ser no futuro, quando já estiver fora da moda, alguém com tempo para ver muitas coisas, para ler, para viajar, no fundo para ter uma boa vida. (risos)



Publicado previamente em AFagulha

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1 comentários:

  1. Olá Carolina,
    Gostaríamos de enviar um e-mail com um convite, mas não encontramos o teu endereço de e-mail.
    Podes pf, enviar-nos um e-mail para switchonnetwork@gmail.com com o teu endereço de e-mail para te enviarmos um convite?
    Obrigado

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